quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

VÍTIMA FATAL?

 “Em horas, a agressividade dos atuais meios sônicos de comunicação transformam erros de linguagem em padrões de vernaculidade”, sentencia o filólogo Napoleão Mendes de Almeida. 

A cada instante estamos a ouvir nas rádios e TVs, ou a ler nos jornais, revistas e outros veículos noticiosos de todo o País, a expressão “vítima fatal”, em referência a pessoas que, atingidas por acidentes de diversas categorias, vieram a falecer. Esse cada vez mais comum jargão midiático “fere” os ouvidos daqueles que, mais atentos e inteirados da língua pátria, estranham e deploram a expressão.

 A coisa generalizou-se de tal modo, que todos os órgãos da mídia, sem exceção, abonaram essa forma errônea, e de todo inadequada, de rotular os mortos em acidentes.

Trata-se, a nosso entendimento, de um processo de imitação ou contaminação coletiva, como é exemplo o abominável “a nível de”, plagiado dos hispanos, que os “intelectuais” brasileiros trouxeram de Cuba. “‘Televisão a cores’ faz parte da ganga impura que não encontrou batéia nem garimpeiro que a separassem da pedra rutilante”, adverte-nos, ainda, o mesmo supradito vernaculista. 

 Nos dias correntes estamos a constatar que a mídia corrigiu a até há pouco incorretamente e a basto utilizada expressão “risco de vida” (Fulano corre risco de vida) pela forma adequada, consentânea com a situação, “risco de morte” (Sicrano, atingido por arma de fogo, corre seriíssimo risco de morte). Perfeito! Então, por que também não expurgar dos órgãos de comunicação o espúrio vítima fatal? 

Análise, ainda que superficial, que se lhe faça, logo aponta a impropriedade, o desacerto da construção frasal, eis que vítima é a pessoa que foi acidentada, contundida, ferida, mutilada ou submetida a sacrifícios, à opressão, logro, etc. Um acidente, qualquer que seja sua natureza (de viação, náutico, por arma de fogo, submersão ou afogamento, por desmoronamento, incêndio, tumulto de rua ou outros que tais), poderá ou não redundar em morte da vítima, isto é, poderá - o acidente, nunca a vítima! - ser ou não fatal, diga-se, letal, mortal. 

Fatal, ou mortal, é o que leva à morte, que é funesto, que conduz à ruína ou assume desfecho trágico. Assim entendido, vítima fatal seria a que, por algum modus faciendi, levasse alguém ao êxito letal (à morte), o que, convenhamos, é algo improvável, quase quimérico. Num acidente seguido de morte de alguém, esse alguém (a vítima) não foi fatal! A ocorrência (o acidente) sim!     

Pelas razões acima apontadas fica muito evidente a necessidade de os organismos de informação de massa (a mídia), em suas várias feições, acharem uma nova expressão, mais apropriada e correta, para rotular as vítimas de acidentes fatais - ou mortais (isto sim!), a fim de comunicar à população em boa e escorreita linguagem. Que tal, como se disse acima, vítima de acidente fatal? Ou mortalmente vitimada? Ou, ainda, vitimada fatalmente? Ou, de outro modo: o acidente vitimou fatalmente (mortalmente) três envolvidos: Fulano, Beltrano e Sicrana. Podem não ser “charmosas”, mas vernacularmente castiças.

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Médico e Escritor – SOBRAMES/ABRAMES
E-mail: serpan@amazon.com.br

Sérgio Pandolfo